quarta-feira, 21 de outubro de 2015

O METEORITO DE SANTA LUZIA



O METEORITO DE SANTA LUZIA

De: Gelmires Reis

           Quando o supremo criador, dando expansão à sua infinita sabedoria, se dedicou ao trabalho de fazer surgir do nada, imensidades de mundos, com suas maravilhas e encantamentos, foi parcimonioso na confecção dos meteoritos, que Ele, justiceiro como é, vai distribuindo, no decorrer dos milênios, para as localidades de sua especial predileção, demonstrando carinhoso destaque para com nossa velha e querida Santa Luzia, hoje Luziânia, conforme demonstraremos no desenvolvimento deste modesto trabalho.

          De acordo com o parecer do ilustre Dr. Nei Vital, naturalista do Museu Nacional, esses pequenos corpos minerais, procedentes dos espaços interplanetários, quando se precipitam sobre a Terra, vem com incalculável velocidade e se incandescem, com o perigo de se fragmentarem, ao receberem o impacto do solo resistente. Entretanto, tal não se sucede, porque, antes de caírem definitivamente, dão uma volta para o alto, de pequena dimensão, que lhes amortece a intensidade primitiva, salvando-se, assim, essas preciosidades provocadoras de tanta admiração.

         Na repartição delas, foram beneficiadas as seguintes localidades com unidades de peso superiores a uma tonelada, de conformidade com a explicação abaixo:
         Tucuman, na Argentina, quinze mil quilos; Bendengó, no Brasil, cinco mil e trezentos quilos; Itanchito, no México, quatro mil e oitocentos quilos; Toba, na Argentina, quatro, mil e duzentos quilos; Melbourne, na Austrália, três mil quilos; e o nosso bem moldado SANTA LUZIA DE GOIÁS, Um mil, oitocentos e noventa quilos.

         Pela classificação acima, verifica-se que o nosso, ocupa o sexto lugar, no mundo; quinto na América; segundo no Brasil, e único em Goiás, que entrou no Museu Nacional, no dia cinco de novembro de 1928, onde se acha, ao lado do Bendengó, perpetuando o nome de nossa dadivosa terra.

           Das cinco partes do mundo, somente a América e a Oceania tiveram o privilégio de receber “As pedras do céu”, enquanto Europa, Ásia e África se danam de inveja e de despeito, em vista do descaso com que foram tratadas, cabendo como último recurso pedirem a São Jorge Guerreiro que lhes mande um pedaço de lua, a título de ficha de consolo.

           Deixemos em paz os inconformados e tratemos de apresentar aos nossos prezados leitores a História dos que nos pertencem, isto é, dos dois meteoritos, que caíram na vastidão desse nosso querido Brasil.

          Com relação ao primeiro, vamos transcreve o que o minucioso, paciente e louvável brasileiro Alfredo Moreira Pinto escreveu no seu monumental trabalho de três volumes, intitulado APONTAMENTOS PARA DICINÁRIO GEOGRÁFICO DO BRAZIL, edição de 1894, às páginas 248.

            Acreditamos ser essa a data certa da queda de nosso meteorito.

             O Dr. Joaquim Machado de Araújo comprou de um lavrador, em 1920, fragmentos desse meteorito, que vendeu a um viajante comercial. Este, por sua vez, o levou à Exposição Internacional do Centenário da Independência do Brasil, em 7 de setembro de 1922, sendo premiado com medalha de bronze e vendido por um  conto de réis a um cientista dos Estados Unidos  da América do Norte

             Corria o mês de novembro de 1927. O Sírio José Elias Salomão comprou de Raimundo Florêncio de Barros, por quarenta mil réis, um fragmento de meteorito. Em seguida, o mesmo vendedor negociou com o demente José Maria do Espirito Santo o total da “pedra” por um conto de réis, parte em dinheiro e parte em animais, fugindo para o garimpo do Garças, com receio dos protestos dos condôminos da fazenda.

            Como seu verdadeiro descobridor, Raimundo Bahiano, assim conhecido, não queria encrencas do os proprietários da fazenda Paiva e tratou de mudar da freguesia.

            Sabedor destes conhecimentos, tempos depois, fomos com o nosso Procurador Fiscal Adelino Braz de Queiroz ao local indicados pelos conhecedores do assunto, em 25 de abril de 1928, e munidos de pesada marreta emprestada por frei Vicente Maria Moreira, conseguimos tirar alguns fragmentos, que enviamos para o diretor da “Informação Goiana”, no Rio de Janeiro, major Henrique Silva, acompanhado de uma carta, com precisas informações referentes ao caso; outro para a Escola de Minas de Ouro Preto, solicitando classificação das amostras; e, finalmente, outro ao Dr. Antônio Borges dos Santos, Delegado da Exposição Ibero-Americana de Servilha, em Goiás.

Recebemos esta satisfatória resposta:

          “Escola de Minas de Ouro Preto, em 28 de maio de 1928. Sr. Gelmires Reis – Santa Luzia – Estado de Goiás. Respondendo sua carta de 30 de abril próximo passado, acompanhando uma pequena caixa de amostras para estudos que me solicita com urgência. Satisfazendo seu pedido, cabe-me informar que, efetivamente, trata-se de um meteorito autêntico pela composição e estrutura. Pelas dimensões que me comunica, não é ele um meteorito comum, já podendo entrar no rol dos grandes ferros. – A escola de Minas é um velho Instituto Federal que recebe de todo Brasil a mocidade que deseja aprender a ter curiosidade pelas coisas naturais do Brasil, de que possui uma das mais ricas coleções. E, velha Escola, que tanto tem concorrido para o conhecimento de nosso caro torrão, muito se honraria se pudesse ter o Santa Luzia em lugar de honra em sua coleção. Se V. Excia. Concorda com este destino pelo notável holosiderio, que é Santa Luzia, esta Diretoria providenciaria para sua vinda, e nessa hipótese seria fineza indicar a firma pela qual se efetuaria o transporte até Vianópolis, “Tavares”, e aproximadamente o custo desse transporte. – Aguardando a fineza de sua resposta, antecipo agradecimentos e com todo apreço subscrevo-me de V. S. Amo. Ato. e Obro. (assinado) Dr. Fleuri da Rocha, Diretor”.

                Por sua vez, o major Henrique Silva mandou-nos o certificado da análise que vai transcrita:
        “Boletim de Análise de uma amostra do meteorito SANTA LUZIA, apresentada pelo oficio nº 84.899 da Sociedade Nacional de Agricultura, proveniente de 18 Km. Da cidade de Santa Luzia, Goiás. – Um fragmento de 6,54 grs. Apresentava a seguinte composição: Fe 95.33%; Ni – 2,64; Cu – 2,22; Co – 0,42; P – 0,39; e R. I. 0,92 por cento – Rio de Janeiro, 20 de agosto de 1928 – Visto. (a) Eusébio de Oliveira, Diretor; Alexandre Giroto”.

                De posse desses documentos comprobatórios, fizemos barulho pela imprensa do Rio de Janeiro, auxiliado pelo entusiasmo do Dr. Câmara Filho, representante d’O GLOBO. O resultado não se fez esperar. O Dr. Antônio de Oliveira Lisboa, Secretario de Obas Públicas, em nome do Presidente do Estado, dr. Brasil Ramos Caiado, ofereceu o meteorito ao Museu Nacional. Em vista disso foi designado o naturalista Nei Vidal, para providenciar o transporte, aqui chegando no dia 11 de setembro de 1928, encontrando sempre a nossa boa vontade em prestar-lhe nossos serviços. Fizemos diversas viagens, a cavalo, ao local onde caiu o meteorito, batendo chapas fotográficas. – Já encontrou o ilustre emissário do Museu o resultado providências por tomadas, por ordem do Governo Estadual. Empreitamos com o Senhor Sebastião Caneiro, por um conto de réis, o transporte de meteorito até Vianópolis. 
               O embarque do mesmo, no local da queda, em 30 de agosto de 1928, foi muito trabalhoso. No dia imediato, chegou a nossa cidade, mas o carro quebrou, somente prosseguindo viagem, no dia 13 de setembro, sob a responsabilidade do representante do Museu. Dr. Nei Vidal. Em data de 15, houve o batismo do meteorito, na Ponte do Corumbá, com a presença de diversas autoridades locais, dando-se-lhe o nome de SANTA LUZIA DE GOIÁS. A ata do acontecimento histórico foi lavrada por nós e assinada por Nei Vidal, Artur Ribeiro, Escolástica Ribeiro, Clovis R. Esselin, Manoel Gonçalves da Cruz, Joaquim da Câmara Filho, Sebastião Carneiro de Mendonça, Alceu Galvão de Velasco, José Rodrigues do Reis e Augusto Barreto. Registrada no livro nº 1 de transcrições, de fls. 5 a 77, sob o nº 4, no Cartório do 2º Ofício de nossa cidade, pelo 2º tabelião José Otávio do E. Santo.
Resumo do Transporte: dia 17, em Vianópolis; embarcado, em 10 de outubro; dia 16, chegada em Araguari; dia 18, em Uberaba; dia 23, em Campinas, São Paulo, onde foi pesado; dia 26, seguiu para o Rio, com destino à Marítima, onde chegou a 3 de novembro, sendo removido para o Museu nacional, no dia 5.                                    
Guardamos com desvelado carinho, honrosos telegramas recebidos de autoridades federais e estaduais, louvando nossa dedicação, no cumprimento de ordens recebidas.
Pelo seu valor histórico somente transcrevemos o que segue:
“Intendente Municipal Gelmires Reis – Santa Luzia – Goiás – Tenho prazer comunicar recebimento meteorito SANTA LUZIA que ficará neste Museu recordando Torrão goiano. – Agradeço valioso concurso V.S. – Atenciosos cumprimentos. – (a) – Roquete Pinto, Diretor Museu Nacional” – Este telegrama está datado de 5 de novembro de 1928.
                Nossa modesta administração, iniciada em primeiro de novembro de 1927 e terminada em vinte de novembro de 1930, conseguiu imortalizar o nome de nosso querido berço natal com dois acontecimentos: O descobrimento e a remessa do meteorito de SANTA LUZIA DE GOIÁS, para o Museu Nacional e a publicação do nosso DICIONÁRIO GEOGRÁFICO DO MUNICÍPIO DE SANTA LUZIA, acompanhado do respectivo MAPA DESCRITIVO, que discriminam bem as grandezas e magnificências desta Terra abençoada por Deus, única em Goiás agraciada com o admirável “presente”, remetido dos desconhecidos espaços interplanetários com endereço certo, para lhe aumentar a fama e glória conquistadas, através dos tempos, desde seu descobrimento, por seus ilustres e dedicados filhos.
                Esperamos, agora, pacientemente, a transferência do Museu Nacional para a incomparável Brasília, a fim de podermos, demoradamente e vontade, admirar o nosso SANTA LUZIA DE GOIÁS, ao lado de seu irmão BENDENGÓ, do mensageiro eterno, que vieram dizer ao mundo o quanto o nosso maravilhoso BRASIL é amado querido até nas regiões das estrelas.


(Texto de Gelmires Reis, publicado no jornal O Popular de 13 de Junho de 1976, pag. 05. Dos recortes de jornais da Casa da Cultura. Digitalizado e Digitado por: José Álfio) Obs: Mais informação no portal do Museu de Astronomia e Ciências Afins: www.mast.br